domingo, 24 de abril de 2011

TIMBAÚBA - Epílogo


EPÍLOGO
 Nos anos 40/42 estive cursando um colégio do Estado de Minas Gerais. Através de correspondência com meus pais, tomei ciência  do grave estado de saúde do velho Zuza, o qual havia extraído um cisto da pele, atrás da orelha direita e cujos exames de laboratório davam como maligno.
No final de 1941, vim ao Nordeste, de férias de fim de ano, ficando  maior parte do tempo na Fazenda Timbaúba. Encontei ali um ambiente de desolação; o velho ainda resistindo à doença, a Fazenda enfrentando já um ano de seca e a família toda em estado de expectativa, diante daquele quadro desesperador.
A administração da Fazenda estava dividida entre o tio José ( o filho que na época morava mais perto) e a velha Nanu, que não abria a mão das decisões. Mantinha um homem de plantão permanente (o negro Murixaba), para em caso de emergência, ir atrás de medicamentos (controlados), para aliviar as crises do velho Zuza. 
Nessa altura,  já se notava sinais de decadência da Fazenda, provocada principalmente pela seca e os gastos provenientes da doença do velho, que terminou sem solução e exaurindo as reservas da família.  
            Em fevereiro de 1942, tinha de retornar ao Colégio. Não foi nada fácil a minha partida, pois estava consciente de que nunca mais veria o velho Zuza com vida. Ainda guardo na memória aquela despedida dramática, que me deixou arrasado por muitos dias.
  Fiquei o dia todo protelando a hora da despedida, até chegar o momento que não podia mais adiar; dirigi-me ao quarto, encontrando o velho deitado numa rede (ele detestava cama); quando anunciei  que estava de partida, ele, mesmo atordoado pelos medicamentos e como peso dos 88 anos de idade, sentou-se na rede, segurou a minha mão e disse:..." Nunca mais vou lhe ver, estou no fim. Deus lhe dê um bom futuro.  Deus lhe abençoe.” 
 Seus olhos fixados em mim ainda brilhavam. Saí dali às pressas, com um nó na garganta e se passaram vários dias para desmanchar. Viajei em seguida e, dias depois, quando já me encontrava no sul, recebi a comunicação  do seu falecimento. No ano seguinte, a Fazenda Timbaúba estava sendo dividida entre os filhos; a velha Nanu e a Tia Nenem( Teodora), permaneceram morando na Casa Grande por muitos anos ainda.(*)
            Os valores culturais daquela Fazenda foram preservados ao máximo possível. Hoje, porém, resta apenas aquele casarão simpático, acolhedor, porém sem a presença humana.  Um testemunho concreto do que foi uma Fazenda do Seridó, no Século XIX.   Cabe a nós, da geração presente e das futuras, fazê-la reviver, pois a imagem de Zuza  Gorgônio, D. Nanu, Tia Nenem, Zé Gordinho, Negra Rosária, Pacheco, João Libânio, Murixaba e tantos outros personagens que se encerraram ali, permanecem no ar e na memória dos vivos que tiveram o privilégio da convivência com aquela Fazenda.
(*) – D. Nanu faleceu na Casa Grande, em março de 1953 e a tia Nenem (Teodora) faleceu no dia 8 de maio de 1978, no Hospital em Caicó. – A data do nascimento de tia Nenem é 13-01-1893.(?)  

quarta-feira, 20 de abril de 2011

TIMBAÚBA XIII


Ilustração de Dorian Gray

OS PROPRIETÁRIOS

No ano de 1856, quando a Casa Grande  estava sendo levantada, José, filho caçula do proprietário, tinhas dois anos de idade. Certamente por iniciativa dos obreiros, a criança pôs o pé  num tijolo ainda fresco, deixando gravado o seus rastro. O aludido tijolo foi depois assentado no piso da sala da escada, onde permanece até hoje.
O menino José, com aquele ato, estava, na sua inocência de criança, marcando o início de uma vida que se desenrolaria pelos oitenta e seis anos seguintes. Ali ele cresceu, constituiu família e morreu. Foi a primeira conquista daquele casarão, de construção sólida e em estilo “Colonial Rural do Seridó.”
        O menino José, ficou conhecido pelo resto da vida por Zuza Gorgônio. Tornou-se um sertanejo rígido, alto e magro, tipo longelínio, olhos esverdeados e expressivos, cabelos ralos castanhos-claro, quase loiro e encanecidos prematuramente. Como o pai, Gorgônio Paes de Bulhões, tinha temperamento impulsivo, porém, perdoava imediatamente. Profissionalmente foi muito mais um boiadeiro, do que um fazendeiro. Tinha paixão pelo comércio de gado, razão pela qual realizava, como o seu pai já havia realizado no passado, demoradas viagens a cavalo, aos sertões do Piaui, a fim de comprar  boiadas.
        Zuza Gorgônio casou-se aos trinta e dois anos de idade, com uma prima no terceiro grau, chamada Ana Floripes de Medeiros Barros, com quem viveu os cinqüenta e seis anos restantes de sua vida. Do matrimônio nasceram  cinco filhos homens e três mulheres, deixando uma multidão de descendentes.
        Ana Floripes de Medeiros Barros(D. Nanu), casou-se com quinze anos de idade. Mulher de estatura física forte, altura mediana, morena cabelos pretos, ligeiramente ondulados. Igual ao seu marido, descendia, já na sétima geração de Custódia de Amorim Valcacer(*), figura discutida, ligada à história das famílias do Seridó.
A tradição oral diz ser índia  a mulher Custódia, assunto que carece ainda de confirmação, entretanto, que D. Nanú tinha um tipo e temperamento índio, isso nem se discute. 
        D. Nanú era mulher de grande força de decisão; diziam ser ela, responsável pelo sucesso da Fazenda Timbaúba que, na maioria dos tempos, esteve sob sua responsabilidade, pelas ausências prolongadas do marido.  Mulher “positiva”, não escondia o que pensava, mesmo que não fosse do agrado dos outros.  Muito segura em termos econômicos e financeiros. Foi ela a maior responsável pelo patrimônio que ambos chegaram a construir.
Esse casal extraordinário fez da Fazenda Timbaúba, uma das principais fazendas típicas do Seridó do Século XIX, permanecendo intacta enquanto eles viveram.
No Livro de Casamentos da Matriz de Sant´Ana de Caicó, anos de 1867 e 1891, encontra-se o seguinte assentamento, cuja cópia, ipsis litteris, vai a seguir: 
  “Aos sete dias do mez de outubro do anno de mil oitocentos e oitenta e seis, no lugar denominado =Poço da Oiticica=desta Freguizia, tendo os tres pregões sem impedimento, dispensa de conseguinidade no quarto grau dupplicado, attingente  ao terceiro grau simples; et coetera pela uma hora da tarde do dia mez e anno, uni em matrimonio a JOZE GORGONIO DA NOBREGA, com ANNA FLORIPES DE MEDEIROS BARRO; elle solteiro, de trinta e dois annos de idade, filho legítimo de Gorgonio Paz de Bulhões, e Mariana Umbelina da Nóbrega; já falecidos, Ella de quinze anos de idade,  solteira, filha legítima de Joaquim Joze de Barros e Anna Floripes de Medeiros, já fallecida.
 Ambos os contrahentes digo o Contrahente  é natural Ambos os contraentes são naturaes desta freguezia; sendo testemunhas os senhores Januncio Sallustiano da Nobrega e Manoel Severiano da Nobrega ; o quaes, comigo  em um termo, no verso dos pregões assignaram . Do que para constar mandei fazer este ascento em que assigno.
Vr. AMARO THEOT CASTOR BRAZIL”

Os filhos desse casal fora os segintes:

 Basílio,que se tronou fazendeiro no Riacho Salgado, em São João do Sabgy; José que emigrou para o município e Custódia-PE e se tornou fazendeiro no citado município; Gorgônio Artur, que se tronou odontólogo e exercia a função entre São João do Sabugy e Caicó; Francisco Pereira da Nóbrega, que se formou em Direito, chegando a Desembargador no Rio Grande do Norte; João, que faleceu de um acidente com uma espingarda de caça, quando ainda adolecente; Ana, viúva do topógrafo Aureliano Gonçalves, de Caicó; Maria (minha mãe) que se casou com Clovis Lamartine de Faria, de Serra Negra e Theodora, que não se casou e, terminou seus dias na Fazenda Timbaúba, havendo falecido no Hospital de Caicó.
No quadro genealógico apresentado neste trabalho pode-se seguir as árvores de José Gorgônio da Nóbrega e Ana Floripes de Medeiros Barros, os quais se encontram  pelo parentesco em vários lugares, sendo ambos descendentes do português Pedro Ferreira da Neves e Custódia de Amorim Valcacer,tida como índia pela tradição oral e familiar.
(*) – No primeiro capítulo  do livro “Velhas Famílias do Seridó”, de Olavo Medeiros Filho diz o seguinte: O português  PEDRO FERREIRA DAS NEVES, também conhecido por Pedro Velho, contraiu matrimônio pela última década do século XVIII, com CUSTÓDIA DE AMORIM VALCACER,de Mamanguape-PB.
        A crer-se na tradição familiar, Custódia teria sido índia, tendo seus pais abrigado em sua morada o português Pedro Velho, ferido em combate contra os indígenas. Recuperando-se dos ferimentos, o mesmo teria se casado, por gratidão, com uma filha do casal de índios, à qual fez batizar como nome de Custódia.             

terça-feira, 12 de abril de 2011

TIMBAÚBA - XII



Ilustração de Dorian Gray
O POVO - 
O Velho Zuza e D. Nanú, formavam um casal típico daquele sertão do Seridó.  Cultivavam um estilo de vida herdado dos seus ancestrais e que eles preservavam com muito cuidado. Dirigiam aquele mundo como os seus antecessores já haviam dirigido, com pouquíssimas inovações e procurando não violentar a Natureza.
O tratamento dispensado aos seus auxiliares situava-se entre o patrão e o pai, tornando o ambiente na Fazenda, totalmente descontraído. Havia uma solidariedade humana presente em todos os atos e o modo como eles viviam e trajavam quase não os diferenciavam dos seus serviçais. 
Era esse toque de humanismo que fazia daquela Fazenda  uma atração para tantos quantos ali chegaram à procura de trabalho.  Ainda conheci vários deles, ou descendentes, que ali se fixaram e nunca mais saíram. Esses tipos eram bastante interessantes e, com o decorre dos tempos, foram incorporando ao patrimônio da Fazenda, permanecendo lá até o fim dos seus dias. Alguns deles chegaram a marcar época, como foi o caso de:
-Zé Gordinho - nunca soube o seu nome verdadeiro; viveu  ali até a morte. Era um tipo robusto, moreno, pernas arqueadas de vaqueiro, pelo curtida do sol, falava alto como se tivesse arengando, porém tinha um coração maior do que ele próprio. Por ser solteirão e um tanto ranzinza, morava sozinho  num quarto pegado ao “Vapor.”  O seu aposento era de uma pobreza franciscana.
A mobília limitava-se a sua própria rede de dormir, uma mala de couro cru, um caixão de gás para sentar, um cabide com haste de pereiro pendurado num caibro, onde ele acomodava as roupas usadas e o encouramento; num canto uma lamparina de flandre e uma caixa de fósforos ao lado.
Cuidava das vacas de leite, do curral, da cacimba do gado no rio, das ovelhas e ainda “campeava”.  Sabia o que devia fazer e o seu setor funcionava quase autônomo.  Nunca saia da Fazenda, até que um dia adoeceu gravemente e foi levado a Caicó, para uma consulta médica. Logo a seguir faleceu de um ataque cardíaco.
Zé Libânio - um tipo alto, olhos extremamente azuis e voz grave. Era tropeiro e viveu toda a sua vida ali, onde deixou a família e o filho João como sucessor, quando faleceu. De absoluta confiança dos proprietários; era considerado da família. Conhecia bem do seu ofício e cuidava da tropa com todo carinho.  Já havia substituído outros tropeiros: Luiz de  Lolô já falecido e Manoel de Dora, cuja idade não permitia mais trabalhar.
- Negra Rosáriafilha de escravos. Quando ainda nova, foi lavadeira da Casa Grande.  Viveu ali até o fim dos seus dias. Deixou um filho chamado Manuel, mais conhecido por Pacheco, também nascido ali. Esse homem tornou-se o foguista do “Vapor” e o motorista da Fazenda, quando foi comprado um automóvel. Além dessas habilidades, era também músico, tocando rabeca nas festas da redondeza. Como a mãe, morou na Fazenda até o fim, deixando lá seus descendentes.
- Jeremias Herculano - um tipo claro, miúdo, olhos azuis e muito conversador. Falava devagar, razão por que se tornava enfadonho  dialogar com ele.  Era parente da velha Nanu. Dedicava-se à agricultura e cuidava com muito carinho do “partido de cana”, assim como também das moagens.  Hoje, quase centenário, reside nas terras dos parentes, próximo a Fazenda Timbaúba, onde fui encontrá-lo recentemente, ainda totalmente lúcido e contador de histórias.
- “Seu” David e “Seu” Joãobrejeiros da área de Lagoa do Remígio/Pb ambos chegaram Fazenda Timbaúba na década de 20.  Eram parentes entre si. Trabalhavam na agricultura, especialistas em lavoura de cereais e mandioca.  Faziam farinhadas e ajudavam na moagem. Ambos tinham uma família numerosa e só casavam ente si. Eram grandes artesãos em trabalho de palha, couro e madeira, e as mulheres eram fiandeiras. Os descendentes ainda habitam aquelas terras.
- Murixaba um autêntico “negro de recados”. Não servia para atividades agrícolas ou pecuárias, porém das demais tarefas da Fazenda se desincumbia bem: desde pilar milho, rachar lenha e até viajar muitas léguas a pé para comprar medicamentos. Tinha um acentuado espírito de humor.
Por ter semelhança física com Pacheco, o filho da negra Rosária, certa vez lhe perguntaram se eram parentes. Ele prontamente afirmou ser primo. Como Pacheco não aceitou o parentesco, ele imediatamente adiantou: "Ora, Seu Pery, todo negro é primo um do outro, não sabia ?..".
- José de Silvinoo último remanescente da equipe da Casa Grande. Ainda mora lá, no quarto que habitou Zé Gordinho, usando a “Casa de Farinha” como a sua cozinha.  É solteirão e resume as suas atividades a plantar vazantes no rio e alimentar umas ovelhas de sua propriedade. É uma espécie de guardião daquele monumento histórico e daquele estilo de vida já ultrapassado. 
- Nelson – o vaqueiroirmão de Zé de Silvino; foi um dos últimos auxiliares da velha Nanu, a quem dedicava muita estima. Hoje vaqueiro nas terras da  Fazenda Timbaúba, trabalhando para herdeiros da Fazenda, onde também desempenha as funções de administrador. Homem merecedor  de grande confiança.
Havia muitos outros na Fazenda, porém esses eram os mais  típicos, todos tinham suas particularidades, suas personalidades  e seu espaço dentro do contexto. Compunham um conjunto harmônico e equilibrado sem notas dissonantes.  Formavam o que se podia chamar de o “Encanto da Timbaúba”. 
Deixo aqui registrado uma homenagem a esses sertanejos 'heróis' da minha infância.

***

quarta-feira, 6 de abril de 2011

TIMBAÚBA - XI

Ilustração de Dorian Gray


OS COSTUMES E CRENDICES
 
Os costumes e as crendices na Fazenda Timbaúba, eram uma decorrência das tradições locais e da atividade econômica desenvolvida.  A seguir, alguns registros:
- A semana de trabalho iniciava na segunda-feira e terminava na sexta-feira. O sábado era meio feriado, àqueles que não iam à feira em Caicó ou Jardim do Seridó, ficavam em casa, fazendo serviços domésticos. O domingo era o dia do descanso.
- Não havia feriado, porém respeitavam os seguintes dias santos: Quinta e Sextas-feiras Santas, São João, São Pedro, Santa Luzia, Todos os Santos e Nascimento.
 Quintas e Sextas-Feiras Santas – os dias grandes da Semana Santa. São João – uma festa tradicional em todo o Brasil, trazida portugueses, de certa forma ligada à colheita. São Pedro o respeito pelo porteiro do céu; todos, um dia irão bater àquela porta. Santa Luzia – a protetora dos olhos; o pavor de ficar cego.  Todos os Santos – uma homenagem coletiva a todos os Santos da comunidade celestial. Nascimento – o Dia do Natal; uma homenagem ao nascimento do filho de Deus.
 - O relógio era acertado pela “hora solar”. O sol apontando no nascente eram 6 horas da manhã. O sol a pino era meio dia. O sol se pondo, eram 6 horas da tarde.
- O dia de trabalho era de sol à sol. O almoço era servido às 9 horas da manhã, o jantar às 2 da tarde e a ceia às 6 da noite.  Ao amanhecer do dia, antes dos trabalhadores irem para o trabalho, eram servidas xícaras grande de café quente. 
- Os trabalhadores eram sempre contratados “boiados”, ou seja, com as refeições.
- O trabalho no curral começava mais cedo; ao “quebrar da barra”, os tiradores de leite iniciavam as suas atividades. 
- Pela ausência de iluminação elétrica, após a ceia, a porta do meio era fechada por dentro, ficando os homens isolados da sala da frente pra fora; as mulheres, na cozinha, lavando os pratos, arrumando os “troços” (utensílios de cozinha) e botando o mungunzá no fogo, para poder servir no almoço do dia seguinte. Às 8 horas da noite já era silêncio total e todos da Casa Grande estavam recolhidos.
- O uso da cama só era permitido para os doentes ou parturientes. Todos, sem exceção, dormiam em rede.
- O uso da latrina era, exclusivamente, das mulheres e crianças. Elas se banhavam em bacias, usando o espaço da dependência da latrina.  Os homens se banhavam no açude ou nas cacimbas do rio, usando cuias ou cabaças para recolher a água. As necessidades fisiológicas eram satisfeitas no mato. Para os doentes, colocavam-se um urinol debaixo da rede ou da cama.
- As crianças dormiam com os pais ou as mulheres da casa, até os 5 anos de idade. A partir daí, as meninas ficavam nas camarinhas com as moças solteiras e os meninos iam para o salão. Depois dos 10 anos, eles dormiam lá fora com os homens, na sala da frente ou nos alpendres. 
- As refeições eram servidas na sala de jantar de uma só vez para os homens. Se havia mais homens do que comportava a mesa, serviam-se primeiro os trabalhadores e a seguir o pessoal de casa.  As mulheres e as crianças comiam na cozinha, em cima de esteiras de carnaúba, estendidas no chão.
- Entrar na intimidade da Casa Grande só era permitido aos filhos homens. Os serviçais só tinham acesso à sala do oratório, onde estavam os potes de água de beber, à cozinha, e na cozinha dos queijos, onde também se encontrava o pilão.
- Os namorados só se viam nas festas ou nas feiras.
- Os casamentos só eram aceitos se fossem na igreja. Casamento civil, que chamavam de contrato, só quando o da igreja já havia sido realizado.
- O oratório era de uso exclusivo das mulheres, as quais faziam suas rezas à noite.
- Acreditava-se em almas penadas, visões, assombrações e caiporas.
- Acreditavam na influência da lua e dos planetas na vida humana e criam na leitura das mãos. Influência dos ciganos que freqüentemente transitavam pelo sertão.
- Temiam as velhas árvores (oiticicas)  de beira de caminhos pois, segundo eles,à noite acolhiam  os espíritos. 
- Acreditavam que as almas só apareciam até meia-noite.
- Não abatiam animais na Semana Santa e não comiam carne nos dias grandes.  Também se evitava fazer qualquer tipo de negócio nesses dias.
- Acreditava-se no mau agouro do canto da Coruja “Rasga Mortalha”.
- Acreditava-se em rezas fortes, benzedeiras, para cura de doenças e mau olhado.
         Até na poesia popular essas manifestações apareciam, como na sextilha do improvisador paraibano, conhecido por Xano (Feliciano Gonçalves Simões):
         "Certas coisas nesse mundo/Deixa a gente incomodada:/ Andar em burro chotão,/ dormir em rede furada/ Tirar espinho com faca/ Que tem a ponta quebrada/ Se embrulhar com lençol curto/ Em casa mal assombrada...”
         Mesmo com as limitações impostas pelos costumes tradicionalistas rigorosos,assim como, pelas supertições incorporadas naquele meio, o povo da Fazenda Timbaúba vivia tranquilo e feliz.

domingo, 3 de abril de 2011

TIMBAÚBA - X


Ilustração de Dorian Gray

O TRANSPORTE

O transporte, na Fazenda Timbaúba, era um dos mais problemáticos, tanto pela localização da Fazenda, como pela natureza do terreno, acidentado e pedregoso. Não havia rodovia e tudo era feito  por trilhas de gado que se iam alargando e terminavam numa estrada.  Se é que se pudia chamar aquelas vias de estradas. 
O transporte era feito, principalmente, em costas de burro. A Fazenda tinha uma bem treinada tropa (cinco burros mulos)  para transporte de carga pesada, para as feiras Caicó, Jardim do Seridó e Ouro Branco. Esses burros  muito bem tratados pelo tropeiro Zé Libânio,  eram apelidados de:

  Canário – o burro que andava no coice da tropa. Era de uma cor quase amarela e tinha fome de andar. A posição dele na tropa,  era exatamente para pressionar os da frente a aumentar o ritmo da passada. Era um animal  reforçado e dócil.
Melado o segundo, contado de trás pra frente. Tinha a cor de mel e um porte avantajado. Manhoso e lerdo para andar, razão por que era colocado na frente de Canário, que, vez por outra, mordia no seu trazeiro, pressionando para andar.
Rabo Tortoum burro grande  e castanho escuro. Quando novo, teve uma bicheira debaixo do rabo, ficando com um defeito na cauda, daí o apelido. Era cheio de manhas e gostava de morder ou dar coice, porém tinha muita força e resistência.
Cacheado era o que se podia chamar de um burro bonito. Castanho-escuro, com lavras,  pêlo crescido e encaracolado.  Não era dos mais fortes, mas um grande andador.   
Andorinhaa única fêmea e a madrinha da tropa. Tinha uma resistência física fora do normal e quase não suava.  Conhecia todos os caminhos ou trilhas da região. Dizia Zé Libânio, que pelo tipo de carga, ela já sabia o destino.  Tinha um ritmo  alto de andar e as vezes era difícil de ser acompanhada. 
 O tropeiro tinha um carinho todo especial pela presença da burra na tropa, enfeitando-a com metais, guizos, chocalhinhos  e viseira. Quando andava, fazia um ruído  todo próprio que, à distância , já denunciava a sua presença.  Essa tropa era bem disciplinada e atendia  ao tropeiro com as ordens verbais, bem como o estalo do chicote.        
Para o transporte de carga leve e à pequena distância, havia os jumentos, que transportavam lenha, água para casa e ração para as vacas do curral.  Os apelidos eram Roxinho, Moleque, Rodete,  Dois de Ouro e outros.
            O carro de bois usado somente em serviços difíceis, dentro da mata; tirar madeira, lenha ou material de construção. 
 Para o transporte individual usavam-se os “burros de sela” especialmente treinados. Havia os cavalos, porém eram pouco usados. Os vaqueiros preferiam   os “burros de campo”.

 Na década de 20, o velho Zuza adquiriu um carro Ford e possuiu o automóvel  enquanto existiu. Era o seu transporte de ir às feiras da redondeza.
Relativo ao automóvel, consta que a introdução do mesmo na Fazenda, foi através do filho mais velho da família, chamado José Gorgônio, que havia estudado em Recife e no Rio de Janeiro.
A velha Nanu ficou muito tempo aborrecida com o fato, porém terminou se acostumando.   O primeiro automóvel teria sido um “Ford de bigodes”, de segunda mão. 
A partir daí, havia sempre um caro na Fazenda.  Houve época  que existiam dois. O velho Zuza se irritava com o filho José, porém não impedia o seu interesse por carros usados. 
 O negro Murixaba, um serviçal da Fazenda, contava que o velho Zuza certa vez explodiu com filho dizendo: “Quem tiver o  seu carro velho, pode oferecer ao meu filho José, que ele compra.”    

 Comentários  O  “Burro de sela” do velho Zuza chamava-se Redondo que o conduziu por inúmeras de viagens.  Morreu de velho, nos cercados da Fazenda Timbaúba.
  Zé Libânio, já com a idade avançada passou para o seu filho João Libânio, que tinha as mesmas habilidades  do pai,  o trato daquela tropa. 
 Os automóveis eram adquiridos por José Gorgônio, numa praça de Recife onde havia um  vigoroso mercado de carros usados de várias procedência.