terça-feira, 16 de agosto de 2011

FABRÍCIO PEDROZA

Fabrício-o vaqueiro
Homem que mereceu todo nosso respeito e admiração. 
Pela sua presença física, se fazia notar em qualquer lugar que chegasse; apesar de ter sido educado na Inglaterra, mantinha íntimos seus hábitos adquiridos na convivência com o ambiente rural, participando sempre das vaquejadas onde se destacava como grande “puxador”.
 Fazendeiro, empresário, praticante de tênis e das atividades aerodesportiva.

Culver Cadet


Pilotava todos os modelos de avião que o clube possuía, a sua preferência, no entanto, era pelo ‘Culver Cadet’, um modelo avançado para época e que no Brasil só existiam dois, um no Rio de Janeiro (Aeroclube do Brasil), e outro em Natal.

Mantinha uma pista de pouso muito bem cuidada na sua Fazenda São Joaquim, no município de São Romão (hoje Fernando Pedrosa) para onde voava nos finais de semana.

Lá no Aeroclube Fabrício era o meu ‘guru’.

Apesar de não ser instrutor, ensinou a muitos de nós os primeiros passos da navegação aérea. Fui um dos que se beneficiaram dos seus conhecimentos.

Terminei o curso no final de 1944 e durante o período entre o vôo solo e o exame para receber a licença, a nossa turma intensificava o treinamento, inclusive o de navegação, que seria exigido no exame final do curso. Com a colaboração de Fabrício, usávamos o campo de pouso da Fazenda São Joaquim.
Foi lá que fiz o meu primeiro vôo visual de navegação. Uma experiência inesquecível.


Na véspera estive na casa dele aqui em Natal, onde recebi todas as instruções para o nível que me encontrava. Abrimos o mapa do Rio Grande do Norte, traçamos uma reta entre Natal e a Fazenda São Joaquim.

 Usando um transferidor especial conferi o grau, anotei tudo na agenda, os pontos de referência de um lado e do outro da rota, inclusive, a altitude de segurança que deveria usar naquele vôo. 
Aprovado pelo “mestre”, tudo ficou esclarecido, ele sempre enfatizando as alternativas para um pouso em emergência.    

Na manhã seguinte, bem cedo, decolei de Parnamirim-Field, usando um Piper Cub, iniciando o vôo. Tudo aconteceu como o previsto, e cheguei ao destino onde Fabrício já me esperava. (Ele havia decolado antes, usando o avião Culver Cadet muito mais veloz do que o Piper).
Para mim aquele vôo foi à realização de um sonho, e que muito me ajudou na vida profissional enquanto fui aviador.

Nunca esqueci um fato que mostra uma característica da personalidade de Fabrício. As reuniões matinais no hangar que ele participava, eram sempre bem movimentadas e descontraídas, num ambiente de muita cordialidade. 

Estávamos lá nos preparando para mais um treinamento, quando veio em nossa direção um oficial da Força Aérea Americana,bastante afobado, tentando se expressar em nosso idioma.
 Fabrício adiantou-se para atendê-lo já sabendo do que se tratava.
 O cara reclamava falando mais com as mãos do que com palavras, tentando dizer que os nossos aviões estavam atrapalhando o intenso tráfego aéreo dos aviões americanos. Depois de um tempo, Fabrício com toda calma e gentileza, dirigiu-se ao gringo em voz baixa, num inglês britânico:

“You can speak in English, please”

Diante disso, o gringo desapontou-se, encerrou a conversa, entrou no jipe e arrancou cantando pneus.
Fabrício voltou-se para nós com um ar de riso e nos deu instruções para mudarmos de pista onde estávamos treinando.

Guardo daquele período da minha vida as melhores recordações, quando se praticava uma aviação romântica e das amizades de qualidade ali adquiridas, onde Fabrício Pedrosa tinha o seu lugar em destaque.

***

sábado, 6 de agosto de 2011

OSCAR TRIGUEIRO DANTAS
Quando o conheci já estava aí pelos 45 anos de idade, morando na Fazenda Bancos, de sua propriedade, na época, município de São Paulo do Potengi. Era um homenzarrão de 1,80, pesando uns 90 quilos, pele branca, olhos claros, pouco cabelo, muita energia e mobilidade nos movimentos. Falava alto e trazia sempre um pouco de humor quando se expressava.
Fundou a Fazenda Bancos, especialmente para plantar algodão. Naquele tempo era um bom negócio, o algodão estava em alta e ele era um gigante para trabalhar.
 Investiu pesado nas instalações da fazenda e sempre conseguia uma boa produção da lavoura que cultivava.
Colheita de algodão na fazenda - Aecio

  
Com origem no clã dos Dantas de São José de Mipibú, trouxe para aquela região agresteira os seus hábitos de “senhor de engenho” do vale do Trairi; por ser bom de garfo sempre tinha uma mesa farta.
Para locomoção não dispensava uma boa montaria e o seu burro chamado Chapuri, um muar cardão, de porte avantajado com sete palmos de altura, para dar conta de transportar os seus 90 quilos de peso e atender os caprichos do cavaleiro.
Marchador, adestrado por ele próprio, que era um mestre no ofício.
Apesar de Oscar demonstrar satisfação com a Fazenda Bancos, ele vivia falando que um dia iria adquirir o ENGENHO SÃO LUIZ DO DEDO, em pleno centro do vale de São José de Mipibu.

Rugendas-Moinho de Cana de Açucar

Quando o momento surgiu, ele não perdeu a oportunidade, vendeu a Fazenda ao comerciante de algodão Sr. Ermílio Toscano de Brito e comprou o engenho da sua paixão.
Creio que encerrou aí a sua vida de homem do campo. Quanto ao burro Chapuri que o acompanhou por longos anos, era muito nobre para ir transportar cana do eito para o engenho; certamente ficou disponível na cocheira até que aparecesse um cigano para negociar, pois já havia chegado à hora de ser substituído por um Jeep.
Oscar Trigueiro Dantas uma simpática figura que marcou presença no ambiente rural do agreste potiguar e da zona de açucareira.



Figuras obtidas no Google

quarta-feira, 27 de julho de 2011

TARDE DE ABRIL

TARDE DE ABRIL
As tardes de abril em Natal, início do outono, ainda trás restos do verão que se foi com seu calor sufocante.
Nesse ambiente calorento circulei pelo centro da cidade aí pelas 16 horas, fazendo umas compras. Quando deixava a Galeria Barão do Rio Branco, pela Rua Princesa Isabel, deparei-me com José de Melo Pinto, um contemporâneo do Atheneu, nos idos de 1944, sentado num dos bancos da calçada, instalado à sombra do edifício aproveitando a brisa dos alísios.
Foi uma satisfação encontrar aquele antigo companheiro, reunido com alguns anciões fugindo do calor outonal. Quando me viu deixou rápido o banco e dirigiu-se a mim, sempre de bom humor e um riso espontâneo na face que o caracteriza.
Foram poucos instantes, mas serviram para recordarmos antigos colegas, alguns ainda vivos e outros que já nos deixaram. Uma figura que veio logo à nossa mente foi Ivanildo Paiva, mais conhecido por “Ivanildo-deus”, que julgávamos já ter ido para o céu,ganhou esse apelido, por se fazer presente em vários lugares ao mesmo tempo.

Era filho do Professor Saturnino, um grande mestre da língua portuguesa, cujo método de ensino incluía o humor, atraindo os alunos faltosos. É dele essa ‘pérola’:
“Gente, a vírgula é muito importante na frase, vejam: - Logo pela manhã minha mulher me acorda assim:
Saturnino- (vírgula) - seis e meia- (vírgula) - está na hora de acordar. Agora tire a primeira vírgula e veja como fica.”
Com a sua didática bem peculiar, os alunos aprendiam se divertindo.
Mas voltando ao momento, fiquei feliz com aquele inesperado encontro, despedi-me do amigo que, logo retornou ao seu lugar no banco,onde estava seus companheiros, cuja idade de todos, somada, daria uns 500 anos.   
Continuei pela Rua Princesa Isabel, andando lentamente por conta do calor e entrei na Rua Coronel Cascudo no rumo da Deodoro, de repente e, coincidentemente, outro inesperado encontro: Vi-me diante de duas filhas do Professor Saturnino.
Paramos para uma prosa, e falei que momentos antes estava comentando com um amigo comum sobre o paradeiro de Ivanildo. Fiquei tranquilo depois que elas me informaram que ‘Ivanildo-deus’ estava vivo, morando em Recife, ainda exercendo advocacia.
Segui minha caminhada no sentido da Praça Pio X, entre lojas de armarinhos e sapatarias populares, procurando me abrigar dos raios solares que mesmo naquela hora, ainda incomodava.

Chegando na Av.Deodoro, dei de cara com o prédio do antigo cinema Rio Grande. E novamente voltei no tempo. Na década de 1950 era ali um local de entretenimento dos mais modernos na cidade, onde a sociedade natalense tinha a oportunidade de assistir as grandes produções cinematográficas, e eu pessoalmente, o prazer inesquecível de ver um dos maiores clássicos do cinema italiano chamado

“Arroz Amargo”, estrelado por Vittorio Gassman, e que lançou no mundo cinematográfico a belíssima Silvana Mangano,aos 18 anos,esbanjando toda sensualidade e que viria a ser uma das maiores atrizes de todos os tempos.  
A minha caminhada terminou ali mesmo, apanhei o carro no estacionamento, circulei pela Deodoro, ainda dei uma parada na frente do velho cinema, e me veio à mente uma cena magnífica do filme.

Silvana Mangano labutando na colheita do arroz dentro de um brejo, com água na altura dos joelhos mostrando toda a exuberância que a natureza exagerou nas formas e proporcionando um deleite para os olhos do espectador.


sexta-feira, 17 de junho de 2011

Batendo perna pela Cidade Alta

Instituto Histórico-Cidade Alta-Natal-RN


A manhã estava com a temperatura agradável, o sol radiante convidava a caminhar. Deixei o carro num estacionamento próximo a Igreja de Santo Antônio e saí no rumo da Av. Rio Branco. Entrei naquela ruela apelidada de Beco da Lama, dei uma parada na porta de ‘Galhardo’ para ver o andamento da diagramação do meu livro; fui muito bem recebido pela esposa que me adiantou:
“- Ele deu uma saidinha, mas volta já!...”

Segui em frente; entrei na loja de fotografia para receber as fotos encomendadas e, uma gentil balconista me informou que uma falta de energia desde as vésperas impediram das máquinas funcionarem.” – O Senhor terá que voltar mais tarde”.

Continuei pela Rio Branco. Do outro lado da avenida avistei o “Sebo Vermelho” de Abimael com a porta de ferro ainda abaixada, apesar de ser 09,30 da manhã.

Dei uma paradinha no vendedor de castanhas, velho conhecido, e zelador da sua reputação, já me previne: Só tenho essas que foram de ontem, mas se quizer levar ,ainda estão boas e bem torradas”.

Nessa altura perdi o interesse das coisas e saí caminhando lentamente sem destino, no rumo do antigo “Grande Ponto”. Inesperadamente dei de cara com um jovem intelectualizado, seguidor ardoroso de Che Guevara, usando roupa de guerrilheiro e boina com estrela e tudo.

O gajo estava vendendo um jornal manuscrito editado por ele. Até aí tudo bem, estamos em regime democrático onde tudo é permitido; mas aguentar um sujeito, àquela hora da manhã, com bafo de fossa, falando em cima da gente, tentando vender aquilo que não se quer comprar, tira toda a poesia de uma manhã, que no seu esplendor, prometia boas sensações durante a minha trajetória.

Com algum esforço me livrei do “revolucionário” e chegando à esquina da Rio Branco com a João Pessoa, estava um conjunto de índios peruanos tocando em suas flautas músicas típicas e vendendo artesanato. Aproximei-me da aglomeração para espiar. Por uns instantes senti alguém metendo a mão no meu bolso e com um gesto brusco livrei-me do descuidista que saiu em disparada e quase me leva a carteira de documentos.
No mesmo instante decidi: “- O dia hoje não está favorável é melhor cair fora daqui antes que aconteça algo pior”.
Prossegui pela Rio Branco no rumo do Alecrim e para surpresa minha encontrei o “Sebo Vermelho” já aberto.

Abimael semi-deitado no seu assento preferido, um velha “preguiçosa” que já deve estar completando uma dezena de anos naquele mesmo lugar.

SEBO VERMELHO
De frente a ele estava o “Bispo” de Taipú, com seu “bisaco” de couro cheio de objetos pessoais e alguns livros, a comentar os novos lançamentos que teriam ocorridos na semana anterior.
O “Bispo” é um severo crítico literário, não escreve nada, mas solta o verbo para quem quiser ouvir.
Abimael com um jornal aberto na frente do rosto, fingindo que estava ouvindo o palrear do “Bispo”, e de vez em quando, recusando comprar livros de transeuntes e preguiçosamente levantando-se para vender alguma publicação do seu desarrumado estoque que só ele entende.
- Oi, Pery sente aí, como vai o livro? Falou Abimael.
Permaneci ali por algum tempo, enquanto aliviava os pés. Quando decidi deixar o local, um gaiato me abordou:” -Finalmente, Saint-Exupéry esteve ou não em Natal?...”
Essa é uma pergunta que sempre me fazem por conta do meu ponto de vista um tanto radical sobre o caso.
O que vocês acham o que eu respondi?
Saí dali às pressas antes que chegasse mais alguém interessado em saber a minha resposta.
Ufa... Que manhã!...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

CARNE DE SOL DO SERIDÓ


Às margens do riacho do “Manhoso” que corre paralelo à rodovia Jardim do Seridó-Caicó, despejando suas águas no açude Itans, viveu dois grandes produtores de carne de sol daquela região: Sr. Berré, e um pouco mais a baixo, os Gregórios.
Eles começavam a abater os animais na manhã cedo da quinta-feira, para atender à feira de Caicó no sábado, onde o produto era distribuído entre os atacadistas locais e alguns vindos de Campina Grande e Natal. Os dois marchantes eram muito disputados pela boa qualidade da carne que produziam.
O processo de fabricação de ambos era semelhante e em certa oportunidade fui visitar o estabelecimento de Berré, onde pude acompanhar passo a passo o desenrolar do sistema que usava desde a infraestrutura até o produto final.
As instalações eram muito simples, tinha o mínimo necessário para a produção dessa atividade. Uma grande latada bem arejada, coberta com ramos de oiticica criando uma meia sombra, longos varais para estender as mantas, uma bancada rústica de madeira onde as peças eram trabalhadas, e como ele era um exímio conhecedor da anatomia animal sabia muito bem separar os “coxões”.
Essas peças depois de retiradas e levadas para bancada eram desdobradas em mantas. A “chã de dentro”, o “patim”, a “alcatra,” a “chã de fora,” e o “filé”, são todas carnes traseiras e macias, as dianteiras como são duras, recebiam um tratamento diferente.
As mantas de carne depois de prontas eram salgadas, enroladas no próprio couro do boi, no final da tarde, eram estendidas nos varais, onde ficavam durante toda a noite, salmorando e recebendo a brisa suave do Seridó para ter uma secagem controlada.
No dia seguinte, as mantas nos varais eram viradas e permaneciam ali por várias horas, depois eram enfardadas em esteiras de carnaúba para serem enviadas ao mercado. Era nesse tempo de espera que elas recebiam através da cobertura da latada, um pouco da luz solar para acelerar o processo de desidratação.
Na ocasião, Berré, com a sua experiência acumulada ao longo dos anos nesta atividade, me segredou que três grandes fatores definem o sabor da carne do gado do Seridó, a alimentação do boi (o capim-panasco), a brisa seca das noites e um sal grosso de primeira qualidade adquirido em Macau.
Berré foi um dos grandes fornecedores de Carne de Sol na região do Seridó,mas teve de encerrar as suas atividades por conta das sucessivas secas que ocorriam na região, mudando-se para o agreste à procura de melhores condições de vida e lá encerrou seus dias na atividade comercial.

-Foto obtida no GOOGLE-

domingo, 24 de abril de 2011

TIMBAÚBA - Epílogo


EPÍLOGO
 Nos anos 40/42 estive cursando um colégio do Estado de Minas Gerais. Através de correspondência com meus pais, tomei ciência  do grave estado de saúde do velho Zuza, o qual havia extraído um cisto da pele, atrás da orelha direita e cujos exames de laboratório davam como maligno.
No final de 1941, vim ao Nordeste, de férias de fim de ano, ficando  maior parte do tempo na Fazenda Timbaúba. Encontei ali um ambiente de desolação; o velho ainda resistindo à doença, a Fazenda enfrentando já um ano de seca e a família toda em estado de expectativa, diante daquele quadro desesperador.
A administração da Fazenda estava dividida entre o tio José ( o filho que na época morava mais perto) e a velha Nanu, que não abria a mão das decisões. Mantinha um homem de plantão permanente (o negro Murixaba), para em caso de emergência, ir atrás de medicamentos (controlados), para aliviar as crises do velho Zuza. 
Nessa altura,  já se notava sinais de decadência da Fazenda, provocada principalmente pela seca e os gastos provenientes da doença do velho, que terminou sem solução e exaurindo as reservas da família.  
            Em fevereiro de 1942, tinha de retornar ao Colégio. Não foi nada fácil a minha partida, pois estava consciente de que nunca mais veria o velho Zuza com vida. Ainda guardo na memória aquela despedida dramática, que me deixou arrasado por muitos dias.
  Fiquei o dia todo protelando a hora da despedida, até chegar o momento que não podia mais adiar; dirigi-me ao quarto, encontrando o velho deitado numa rede (ele detestava cama); quando anunciei  que estava de partida, ele, mesmo atordoado pelos medicamentos e como peso dos 88 anos de idade, sentou-se na rede, segurou a minha mão e disse:..." Nunca mais vou lhe ver, estou no fim. Deus lhe dê um bom futuro.  Deus lhe abençoe.” 
 Seus olhos fixados em mim ainda brilhavam. Saí dali às pressas, com um nó na garganta e se passaram vários dias para desmanchar. Viajei em seguida e, dias depois, quando já me encontrava no sul, recebi a comunicação  do seu falecimento. No ano seguinte, a Fazenda Timbaúba estava sendo dividida entre os filhos; a velha Nanu e a Tia Nenem( Teodora), permaneceram morando na Casa Grande por muitos anos ainda.(*)
            Os valores culturais daquela Fazenda foram preservados ao máximo possível. Hoje, porém, resta apenas aquele casarão simpático, acolhedor, porém sem a presença humana.  Um testemunho concreto do que foi uma Fazenda do Seridó, no Século XIX.   Cabe a nós, da geração presente e das futuras, fazê-la reviver, pois a imagem de Zuza  Gorgônio, D. Nanu, Tia Nenem, Zé Gordinho, Negra Rosária, Pacheco, João Libânio, Murixaba e tantos outros personagens que se encerraram ali, permanecem no ar e na memória dos vivos que tiveram o privilégio da convivência com aquela Fazenda.
(*) – D. Nanu faleceu na Casa Grande, em março de 1953 e a tia Nenem (Teodora) faleceu no dia 8 de maio de 1978, no Hospital em Caicó. – A data do nascimento de tia Nenem é 13-01-1893.(?)  

quarta-feira, 20 de abril de 2011

TIMBAÚBA XIII


Ilustração de Dorian Gray

OS PROPRIETÁRIOS

No ano de 1856, quando a Casa Grande  estava sendo levantada, José, filho caçula do proprietário, tinhas dois anos de idade. Certamente por iniciativa dos obreiros, a criança pôs o pé  num tijolo ainda fresco, deixando gravado o seus rastro. O aludido tijolo foi depois assentado no piso da sala da escada, onde permanece até hoje.
O menino José, com aquele ato, estava, na sua inocência de criança, marcando o início de uma vida que se desenrolaria pelos oitenta e seis anos seguintes. Ali ele cresceu, constituiu família e morreu. Foi a primeira conquista daquele casarão, de construção sólida e em estilo “Colonial Rural do Seridó.”
        O menino José, ficou conhecido pelo resto da vida por Zuza Gorgônio. Tornou-se um sertanejo rígido, alto e magro, tipo longelínio, olhos esverdeados e expressivos, cabelos ralos castanhos-claro, quase loiro e encanecidos prematuramente. Como o pai, Gorgônio Paes de Bulhões, tinha temperamento impulsivo, porém, perdoava imediatamente. Profissionalmente foi muito mais um boiadeiro, do que um fazendeiro. Tinha paixão pelo comércio de gado, razão pela qual realizava, como o seu pai já havia realizado no passado, demoradas viagens a cavalo, aos sertões do Piaui, a fim de comprar  boiadas.
        Zuza Gorgônio casou-se aos trinta e dois anos de idade, com uma prima no terceiro grau, chamada Ana Floripes de Medeiros Barros, com quem viveu os cinqüenta e seis anos restantes de sua vida. Do matrimônio nasceram  cinco filhos homens e três mulheres, deixando uma multidão de descendentes.
        Ana Floripes de Medeiros Barros(D. Nanu), casou-se com quinze anos de idade. Mulher de estatura física forte, altura mediana, morena cabelos pretos, ligeiramente ondulados. Igual ao seu marido, descendia, já na sétima geração de Custódia de Amorim Valcacer(*), figura discutida, ligada à história das famílias do Seridó.
A tradição oral diz ser índia  a mulher Custódia, assunto que carece ainda de confirmação, entretanto, que D. Nanú tinha um tipo e temperamento índio, isso nem se discute. 
        D. Nanú era mulher de grande força de decisão; diziam ser ela, responsável pelo sucesso da Fazenda Timbaúba que, na maioria dos tempos, esteve sob sua responsabilidade, pelas ausências prolongadas do marido.  Mulher “positiva”, não escondia o que pensava, mesmo que não fosse do agrado dos outros.  Muito segura em termos econômicos e financeiros. Foi ela a maior responsável pelo patrimônio que ambos chegaram a construir.
Esse casal extraordinário fez da Fazenda Timbaúba, uma das principais fazendas típicas do Seridó do Século XIX, permanecendo intacta enquanto eles viveram.
No Livro de Casamentos da Matriz de Sant´Ana de Caicó, anos de 1867 e 1891, encontra-se o seguinte assentamento, cuja cópia, ipsis litteris, vai a seguir: 
  “Aos sete dias do mez de outubro do anno de mil oitocentos e oitenta e seis, no lugar denominado =Poço da Oiticica=desta Freguizia, tendo os tres pregões sem impedimento, dispensa de conseguinidade no quarto grau dupplicado, attingente  ao terceiro grau simples; et coetera pela uma hora da tarde do dia mez e anno, uni em matrimonio a JOZE GORGONIO DA NOBREGA, com ANNA FLORIPES DE MEDEIROS BARRO; elle solteiro, de trinta e dois annos de idade, filho legítimo de Gorgonio Paz de Bulhões, e Mariana Umbelina da Nóbrega; já falecidos, Ella de quinze anos de idade,  solteira, filha legítima de Joaquim Joze de Barros e Anna Floripes de Medeiros, já fallecida.
 Ambos os contrahentes digo o Contrahente  é natural Ambos os contraentes são naturaes desta freguezia; sendo testemunhas os senhores Januncio Sallustiano da Nobrega e Manoel Severiano da Nobrega ; o quaes, comigo  em um termo, no verso dos pregões assignaram . Do que para constar mandei fazer este ascento em que assigno.
Vr. AMARO THEOT CASTOR BRAZIL”

Os filhos desse casal fora os segintes:

 Basílio,que se tronou fazendeiro no Riacho Salgado, em São João do Sabgy; José que emigrou para o município e Custódia-PE e se tornou fazendeiro no citado município; Gorgônio Artur, que se tronou odontólogo e exercia a função entre São João do Sabugy e Caicó; Francisco Pereira da Nóbrega, que se formou em Direito, chegando a Desembargador no Rio Grande do Norte; João, que faleceu de um acidente com uma espingarda de caça, quando ainda adolecente; Ana, viúva do topógrafo Aureliano Gonçalves, de Caicó; Maria (minha mãe) que se casou com Clovis Lamartine de Faria, de Serra Negra e Theodora, que não se casou e, terminou seus dias na Fazenda Timbaúba, havendo falecido no Hospital de Caicó.
No quadro genealógico apresentado neste trabalho pode-se seguir as árvores de José Gorgônio da Nóbrega e Ana Floripes de Medeiros Barros, os quais se encontram  pelo parentesco em vários lugares, sendo ambos descendentes do português Pedro Ferreira da Neves e Custódia de Amorim Valcacer,tida como índia pela tradição oral e familiar.
(*) – No primeiro capítulo  do livro “Velhas Famílias do Seridó”, de Olavo Medeiros Filho diz o seguinte: O português  PEDRO FERREIRA DAS NEVES, também conhecido por Pedro Velho, contraiu matrimônio pela última década do século XVIII, com CUSTÓDIA DE AMORIM VALCACER,de Mamanguape-PB.
        A crer-se na tradição familiar, Custódia teria sido índia, tendo seus pais abrigado em sua morada o português Pedro Velho, ferido em combate contra os indígenas. Recuperando-se dos ferimentos, o mesmo teria se casado, por gratidão, com uma filha do casal de índios, à qual fez batizar como nome de Custódia.             

terça-feira, 12 de abril de 2011

TIMBAÚBA - XII



Ilustração de Dorian Gray
O POVO - 
O Velho Zuza e D. Nanú, formavam um casal típico daquele sertão do Seridó.  Cultivavam um estilo de vida herdado dos seus ancestrais e que eles preservavam com muito cuidado. Dirigiam aquele mundo como os seus antecessores já haviam dirigido, com pouquíssimas inovações e procurando não violentar a Natureza.
O tratamento dispensado aos seus auxiliares situava-se entre o patrão e o pai, tornando o ambiente na Fazenda, totalmente descontraído. Havia uma solidariedade humana presente em todos os atos e o modo como eles viviam e trajavam quase não os diferenciavam dos seus serviçais. 
Era esse toque de humanismo que fazia daquela Fazenda  uma atração para tantos quantos ali chegaram à procura de trabalho.  Ainda conheci vários deles, ou descendentes, que ali se fixaram e nunca mais saíram. Esses tipos eram bastante interessantes e, com o decorre dos tempos, foram incorporando ao patrimônio da Fazenda, permanecendo lá até o fim dos seus dias. Alguns deles chegaram a marcar época, como foi o caso de:
-Zé Gordinho - nunca soube o seu nome verdadeiro; viveu  ali até a morte. Era um tipo robusto, moreno, pernas arqueadas de vaqueiro, pelo curtida do sol, falava alto como se tivesse arengando, porém tinha um coração maior do que ele próprio. Por ser solteirão e um tanto ranzinza, morava sozinho  num quarto pegado ao “Vapor.”  O seu aposento era de uma pobreza franciscana.
A mobília limitava-se a sua própria rede de dormir, uma mala de couro cru, um caixão de gás para sentar, um cabide com haste de pereiro pendurado num caibro, onde ele acomodava as roupas usadas e o encouramento; num canto uma lamparina de flandre e uma caixa de fósforos ao lado.
Cuidava das vacas de leite, do curral, da cacimba do gado no rio, das ovelhas e ainda “campeava”.  Sabia o que devia fazer e o seu setor funcionava quase autônomo.  Nunca saia da Fazenda, até que um dia adoeceu gravemente e foi levado a Caicó, para uma consulta médica. Logo a seguir faleceu de um ataque cardíaco.
Zé Libânio - um tipo alto, olhos extremamente azuis e voz grave. Era tropeiro e viveu toda a sua vida ali, onde deixou a família e o filho João como sucessor, quando faleceu. De absoluta confiança dos proprietários; era considerado da família. Conhecia bem do seu ofício e cuidava da tropa com todo carinho.  Já havia substituído outros tropeiros: Luiz de  Lolô já falecido e Manoel de Dora, cuja idade não permitia mais trabalhar.
- Negra Rosáriafilha de escravos. Quando ainda nova, foi lavadeira da Casa Grande.  Viveu ali até o fim dos seus dias. Deixou um filho chamado Manuel, mais conhecido por Pacheco, também nascido ali. Esse homem tornou-se o foguista do “Vapor” e o motorista da Fazenda, quando foi comprado um automóvel. Além dessas habilidades, era também músico, tocando rabeca nas festas da redondeza. Como a mãe, morou na Fazenda até o fim, deixando lá seus descendentes.
- Jeremias Herculano - um tipo claro, miúdo, olhos azuis e muito conversador. Falava devagar, razão por que se tornava enfadonho  dialogar com ele.  Era parente da velha Nanu. Dedicava-se à agricultura e cuidava com muito carinho do “partido de cana”, assim como também das moagens.  Hoje, quase centenário, reside nas terras dos parentes, próximo a Fazenda Timbaúba, onde fui encontrá-lo recentemente, ainda totalmente lúcido e contador de histórias.
- “Seu” David e “Seu” Joãobrejeiros da área de Lagoa do Remígio/Pb ambos chegaram Fazenda Timbaúba na década de 20.  Eram parentes entre si. Trabalhavam na agricultura, especialistas em lavoura de cereais e mandioca.  Faziam farinhadas e ajudavam na moagem. Ambos tinham uma família numerosa e só casavam ente si. Eram grandes artesãos em trabalho de palha, couro e madeira, e as mulheres eram fiandeiras. Os descendentes ainda habitam aquelas terras.
- Murixaba um autêntico “negro de recados”. Não servia para atividades agrícolas ou pecuárias, porém das demais tarefas da Fazenda se desincumbia bem: desde pilar milho, rachar lenha e até viajar muitas léguas a pé para comprar medicamentos. Tinha um acentuado espírito de humor.
Por ter semelhança física com Pacheco, o filho da negra Rosária, certa vez lhe perguntaram se eram parentes. Ele prontamente afirmou ser primo. Como Pacheco não aceitou o parentesco, ele imediatamente adiantou: "Ora, Seu Pery, todo negro é primo um do outro, não sabia ?..".
- José de Silvinoo último remanescente da equipe da Casa Grande. Ainda mora lá, no quarto que habitou Zé Gordinho, usando a “Casa de Farinha” como a sua cozinha.  É solteirão e resume as suas atividades a plantar vazantes no rio e alimentar umas ovelhas de sua propriedade. É uma espécie de guardião daquele monumento histórico e daquele estilo de vida já ultrapassado. 
- Nelson – o vaqueiroirmão de Zé de Silvino; foi um dos últimos auxiliares da velha Nanu, a quem dedicava muita estima. Hoje vaqueiro nas terras da  Fazenda Timbaúba, trabalhando para herdeiros da Fazenda, onde também desempenha as funções de administrador. Homem merecedor  de grande confiança.
Havia muitos outros na Fazenda, porém esses eram os mais  típicos, todos tinham suas particularidades, suas personalidades  e seu espaço dentro do contexto. Compunham um conjunto harmônico e equilibrado sem notas dissonantes.  Formavam o que se podia chamar de o “Encanto da Timbaúba”. 
Deixo aqui registrado uma homenagem a esses sertanejos 'heróis' da minha infância.

***

quarta-feira, 6 de abril de 2011

TIMBAÚBA - XI

Ilustração de Dorian Gray


OS COSTUMES E CRENDICES
 
Os costumes e as crendices na Fazenda Timbaúba, eram uma decorrência das tradições locais e da atividade econômica desenvolvida.  A seguir, alguns registros:
- A semana de trabalho iniciava na segunda-feira e terminava na sexta-feira. O sábado era meio feriado, àqueles que não iam à feira em Caicó ou Jardim do Seridó, ficavam em casa, fazendo serviços domésticos. O domingo era o dia do descanso.
- Não havia feriado, porém respeitavam os seguintes dias santos: Quinta e Sextas-feiras Santas, São João, São Pedro, Santa Luzia, Todos os Santos e Nascimento.
 Quintas e Sextas-Feiras Santas – os dias grandes da Semana Santa. São João – uma festa tradicional em todo o Brasil, trazida portugueses, de certa forma ligada à colheita. São Pedro o respeito pelo porteiro do céu; todos, um dia irão bater àquela porta. Santa Luzia – a protetora dos olhos; o pavor de ficar cego.  Todos os Santos – uma homenagem coletiva a todos os Santos da comunidade celestial. Nascimento – o Dia do Natal; uma homenagem ao nascimento do filho de Deus.
 - O relógio era acertado pela “hora solar”. O sol apontando no nascente eram 6 horas da manhã. O sol a pino era meio dia. O sol se pondo, eram 6 horas da tarde.
- O dia de trabalho era de sol à sol. O almoço era servido às 9 horas da manhã, o jantar às 2 da tarde e a ceia às 6 da noite.  Ao amanhecer do dia, antes dos trabalhadores irem para o trabalho, eram servidas xícaras grande de café quente. 
- Os trabalhadores eram sempre contratados “boiados”, ou seja, com as refeições.
- O trabalho no curral começava mais cedo; ao “quebrar da barra”, os tiradores de leite iniciavam as suas atividades. 
- Pela ausência de iluminação elétrica, após a ceia, a porta do meio era fechada por dentro, ficando os homens isolados da sala da frente pra fora; as mulheres, na cozinha, lavando os pratos, arrumando os “troços” (utensílios de cozinha) e botando o mungunzá no fogo, para poder servir no almoço do dia seguinte. Às 8 horas da noite já era silêncio total e todos da Casa Grande estavam recolhidos.
- O uso da cama só era permitido para os doentes ou parturientes. Todos, sem exceção, dormiam em rede.
- O uso da latrina era, exclusivamente, das mulheres e crianças. Elas se banhavam em bacias, usando o espaço da dependência da latrina.  Os homens se banhavam no açude ou nas cacimbas do rio, usando cuias ou cabaças para recolher a água. As necessidades fisiológicas eram satisfeitas no mato. Para os doentes, colocavam-se um urinol debaixo da rede ou da cama.
- As crianças dormiam com os pais ou as mulheres da casa, até os 5 anos de idade. A partir daí, as meninas ficavam nas camarinhas com as moças solteiras e os meninos iam para o salão. Depois dos 10 anos, eles dormiam lá fora com os homens, na sala da frente ou nos alpendres. 
- As refeições eram servidas na sala de jantar de uma só vez para os homens. Se havia mais homens do que comportava a mesa, serviam-se primeiro os trabalhadores e a seguir o pessoal de casa.  As mulheres e as crianças comiam na cozinha, em cima de esteiras de carnaúba, estendidas no chão.
- Entrar na intimidade da Casa Grande só era permitido aos filhos homens. Os serviçais só tinham acesso à sala do oratório, onde estavam os potes de água de beber, à cozinha, e na cozinha dos queijos, onde também se encontrava o pilão.
- Os namorados só se viam nas festas ou nas feiras.
- Os casamentos só eram aceitos se fossem na igreja. Casamento civil, que chamavam de contrato, só quando o da igreja já havia sido realizado.
- O oratório era de uso exclusivo das mulheres, as quais faziam suas rezas à noite.
- Acreditava-se em almas penadas, visões, assombrações e caiporas.
- Acreditavam na influência da lua e dos planetas na vida humana e criam na leitura das mãos. Influência dos ciganos que freqüentemente transitavam pelo sertão.
- Temiam as velhas árvores (oiticicas)  de beira de caminhos pois, segundo eles,à noite acolhiam  os espíritos. 
- Acreditavam que as almas só apareciam até meia-noite.
- Não abatiam animais na Semana Santa e não comiam carne nos dias grandes.  Também se evitava fazer qualquer tipo de negócio nesses dias.
- Acreditava-se no mau agouro do canto da Coruja “Rasga Mortalha”.
- Acreditava-se em rezas fortes, benzedeiras, para cura de doenças e mau olhado.
         Até na poesia popular essas manifestações apareciam, como na sextilha do improvisador paraibano, conhecido por Xano (Feliciano Gonçalves Simões):
         "Certas coisas nesse mundo/Deixa a gente incomodada:/ Andar em burro chotão,/ dormir em rede furada/ Tirar espinho com faca/ Que tem a ponta quebrada/ Se embrulhar com lençol curto/ Em casa mal assombrada...”
         Mesmo com as limitações impostas pelos costumes tradicionalistas rigorosos,assim como, pelas supertições incorporadas naquele meio, o povo da Fazenda Timbaúba vivia tranquilo e feliz.